Possível erupção vulcânica no vulcão do Fogo causaria perdas de 145 milhões de euros no turismo de Vila Franca
Trata-se de uma nova abordagem para se avaliar o impacto económico de erupções explosivas no sector turístico, em concreto na ilha de São Miguel. Os investigadores do IVAR – Instituto de Investigação em Vulcanologia e Avaliação de Riscos, do Centro de Informação e Vigilância Sismovulcânica dos Açores (CIVISA) e da Faculdade de Economia e Gestão da Universidade dos Açores avaliaram a vulnerabilidade do sector do turismo aos perigos vulcânicos e tiveram em conta dois cenários para o vulcão do Fogo (Água de Pau).
Os dois cenários de erupção do vulcão do Fogo apontam para um cenário “mais provável”, de uma erupção sub-pliniana de Índice de Explosividade Vulcânica (IEV) 4, e o “pior caso possível” em que se daria uma erupção pliniana de IEV 5. Em ambos os cenários seriam emitidos piroclastos de queda e de fluxo e, desta forma, foram tidas as conta as várias condições de vento típicas dos meses de Verão e de Inverno na dispersão de piroclastos. As simulações dão conta que a deposição de piroclastos de um IEV4 no Verão ocorre a leste-sudoeste da caldeira do Fogo, enquanto durante o Inverno os piroclastos seriam depositados a Leste da caldeira. As simulações mostram também que a parte central de São Miguel é a mais afectada à medida que as correntes são arrastadas pelos flancos do vulcão, atingindo o mar em ambas as costas.
O turismo é um sector que tem vindo a crescer em todo o mundo, e nos Açores tem vindo a representar um peso importante na economia desde 2015. Mas, pode ler-se no estudo, os Açores tal como outras regiões vulcânicas, “são vulneráveis a futuras erupções, que podem ter consequências económicas de longo prazo. Perigo vulcânico e risco avaliação é essencial em áreas onde as pessoas vivem lado a lado com vulcões activos, a fim de fornecer às autoridades competentes estratégias adequadas para mitigar risco vulcânico, tal como o planeamento do uso do solo, gestão de emergência e planeamento de recuperação económica pós-desastre”. Ao longo da História, os Açores sofreram cerca de 30 erupções vulcânicas, algumas das quais com repercussões significativas, como é exemplo a erupção de 1957-1958, do vulcão dos Capelinhos, na ilha do Faial. Tal facto torna fundamental avaliar a vulnerabilidade do arquipélago aos perigos vulcânicos a fim de mitigar o risco associado.
A investigadora principal deste estudo, Joana Medeiros do CIVISA e do IVAR, explica que “numa futura erupção vulcânica, as condições reais dos ventos é que irão determinar a direcção para onde será depositado o material piroclástico. As simulações realizadas para a análise do perigo de piroclastos de queda utilizaram parâmetros das erupções vulcânicas de referência para este estudo, a erupção do Fogo A, uma erupção de estilo Pliniano que ocorreu há 4500 anos, e a erupção histórica de 1563, uma erupção de estilo Sub-Pliniano”.
Neste sentido, as simulações mostram que “durante os meses de Verão, os ventos predominantes de NW, farão com que Vila Franca do Campo seja o município mais afectado, enquanto que nos meses de Inverno, devido aos ventos de Oeste, será o município da Povoação. Não obstante, pela sua proximidade ao vulcão do Fogo, optou-se por estudar o impacto que um fenómeno destes teria no concelho de Vila Franca do Campo”.
Os resultados das simulações numéricas foram sobrepostos às infraestruturas e edifícios turísticos do concelho de Vila Franca do Campo, previamente identificados e cartografados, permitindo verificar quais os elementos expostos em risco.
O ESTUDO
Traçados os dois cenários de uma futura erupção vulcânica, foram identificados 140 edifícios relacionados com turismo no concelho de Vila Franca do Campo, sendo que 46 correspondem a unidades de alojamento (33%), 51 correspondem a restauração (36%), 29 são destinadas à cultura ou actividades culturais (21%), e 14 edifícios estão relacionados com animação e actividades turísticas (10%). Infraestruturas como a marina, o porto de pesca e o parque aquático também foram considerados na análise.
Em relação aos cenários de queda da piroclastos, os edifícios podem sofrer diferentes danos, sendo que o impacto sobre os edifícios foi avaliado de acordo com o tipo de destruição esperado seguindo limiares de espessura crítica. Neste sentido, edifícios afectados por 1 mm a 20 cm de piroclastos e sujeitos a limpeza constante e cuidadosa do telhado geralmente não são danificados ou podem sofrer apenas danos menores. Para o período de Verão, 62,1% e 61,4% (cenários VEI 4 sub-Pliniano e VEI 5 Pliniano, respectivamente) de todos os edifícios relacionados ao turismo têm probabilidade de sofrer espessuras de até 20 cm.
Para o período de Inverno os edifícios serão cobertos apenas por um máximo de 5 cm de piroclastos. Os edifícios afectados estão localizados em Ponta Garça, a freguesia mais oriental, e correspondem a 5% e 15% (cenários VEI 4 sub-Plinian e VEI 5 Plinian, respectivamente) de todos os edifícios turísticos.
Edifícios cobertos por ≥ 20 cm de piroclastos podem sofrer danos significativos, como queda de telhado, sendo que em ambos os cenários de Verão, aproximadamente 31% dos edifícios ficariam nessas condições.
Em casos mais extremos, edifícios afectados por ≥ 1 m de piroclastos irão provavelmente sofrer colapso total, sendo que a percentagem de edifícios afectados é maior no cenário VEI 5 Plinian, com 19%, enquanto no cenário VEI 4 Sub-Pliniano é de 9,3%.
Face às correntes de densidade piroclástica, a percentagem de edifícios relacionados com turismo localizados dentro da extensão potencial máxima de uma erupção VEI 4 Sub-Pliniana é de 87,1%, enquanto de uma erupção VEI 5 Pliniana é de 95%.
AS PERDAS
O somatório das receitas anuais de cada unidade de alojamento no concelho de Vila Franca do Campo resultou numa receita total anual estimada em cerca de 9,5 milhões de euros, assumindo que a capacidade de alojamento estava totalmente ocupada.
Através do método do Valor Actualizado da Perda (VAP), os investigadores estimaram a receita anual gerada pelas unidades de alojamento do concelho de Vila Franca do Campo, ao longo de 30 anos para os diferentes cenários. Uma avaliação do impacto económico que foi realizada com indicadores de 2018, e revela que num cenário que apesar de não ser o mais provável, seria de quase destruição total, a perda económica é de aproximadamente 145 milhões de euros, considerando uma taxa de desconto nas unidades hoteleiras de 2%.
Os investigadores previram vários cenários e em todos o Valor Actualizado da Perda “é maior para maiores taxas de ocupação e menores taxas de desconto. Por exemplo, no cenário económico 3 (correntes de densidade piroclástica de uma erupção VEI 5 Plinian), o VAP após 30 anos é de quase 145 milhões de euros quando a taxa de ocupação aplicada é de 65% e a taxa de desconto é de 2%. Por outro lado, se considerada uma taxa de ocupação de 65% e uma taxa de desconto de 4%, o prejuízo é de cerca de 113 milhões de euros”, pode ler-se no estudo. O VAP é de 87 milhões de euros para uma taxa de ocupação de 50% e uma taxa de desconto de 4%. Em termos de VAP por ano, há uma tendência decrescente ao longo do tempo em todos os cenários. Para o cenário económico 3 e considerando ambas as taxas de desconto, o valor da perda no ano 0 (2018) não atinge 5 milhões de euros para taxas de ocupação de 50% e não excede 6 milhões de euros para uma taxa de ocupação superior de 65%.
Mas as simulações apontam que ao longo dos anos, “a tendência de queda do VAP é mais evidente quando uma taxa de desconto é aplicada. Para uma taxa de ocupação de 65%, o VAP no ano 30 é de 1,9 milhões de euros e 3,4 milhões de euros para taxas de desconto de 4% e 2%, respectivamente, enquanto para uma taxa de ocupação de 50%, este valor é de aproximadamente 1,4 milhões de euros e 2,6 milhões de euros, considerando taxas de desconto de 4% e 2%, respectivamente”.
Já a utilização de uma taxa de desconto igual a 0% “significa que a sociedade atribuirá a um determinado valor monetário o mesmo valor no futuro e no presente. Embora este cenário seja considerado menos realista entre economistas, o seu uso pode ser importante para avaliar o impacto do desconto” e aí em todos os cenários económicos o VAP é maior. “Por exemplo, em relação ao cenário económico 3, o VAp equivaleria a 192 milhões de euros com desconto zero e quando uma ocupação de 65% for aplicada. Isso significa que, nesse caso, o desconto nas taxas de 2% e 4% reduz o VAP em cerca de 47 milhões de euros e 79 milhões de euros, respectivamente”, pode ler-se no estudo.
A primeira autora do artigo do estudo do impacto na economia do turismo, que resultou do trabalho desenvolvido na sua tese de mestrado realizada no âmbito do projecto ERUPÇÃO, explica que o cálculo do Valor Actualizado da Perda (VAP) consistiu em “calcular o valor perdido em euros, ao fim de um determinado tempo (30 anos), actualizado para o valor de 2018, que equivale ao ano zero”. Para isso, adianta, “foram aplicadas diferentes taxas de actualização, porque uma unidade monetária no momento presente não tem o mesmo valor que a mesma unidade monetária no futuro”.
Depois foi preciso definir parâmetros e “um dos parâmetros necessários para este cálculo é a receita anual de cada estabelecimento de alojamento. Este valor foi obtido através de uma estimativa do valor médio por noite naquele estabelecimento, tendo em conta a época baixa e a época alta. Esta estimativa foi feita com base em valores do ano de 2018, ou seja, os preços do ano de 2018. A escolha do ano de 2018 foi simplesmente pelo facto de ter sido o ano em que desenvolvi a tese de mestrado”, explica Joana Medeiros.
Depois foi considerado um período de 30 anos, tendo como exemplo a erupção do vulcão de Soufrière Hills (ilha britânica de Montserrat, Caraíbas) que teve início em 1995. “Esta erupção em ambiente insular, tal como os Açores, produziu escoadas piroclásticas e lahars, com proporções devastadoras que ainda hoje, passadas mais de duas décadas, perduram”, lembra.
A investigadora salienta que “como o método utilizado neste estudo é uma primeira tentativa de quantificar a perda económica, quer a receita anual quer o VAP, foram estimados apenas a partir de valores referentes às unidades de alojamento. Para obter uma estimativa mais realista da receita total relacionada com o turismo, deverão ser adicionados outros sectores como a restauração e/ou animação e actividades turísticas, bem como os salários dos trabalhadores deste sector”.
Este estudo, que foi publicado recentemente na revista científica internacional Natural Hazards and Earth System Sciences, foi realizado no âmbito do projecto ERUPÇÃO - “Avaliação do impacto de erupções vulcânicas explosivas na economia do mar, no turismo e na agricultura e suas repercussões no sistema económico e no bem-estar social nos Açores”, financiado pelo Programa Operacional dos Açores 2020. O objectivo é avaliar o impacto de erupções vulcânicas explosivas nos principais sectores de desenvolvimento económico dos Açores, e à semelhança do realizado para o sector do turismo, “estão a ser quantificadas, através do mesmo método, as perdas associadas à agricultura e à economia do mar”.
Joana Medeiros explica que este método pode também ser aplicado não só a outras regiões vulcânicas, “como também a outros perigos vulcânicos e a outros sectores económicos. Aliás, esta análise foi realizada à semelhança de um estudo que quantifica o valor da indústria do turismo na República de Palau (Pacífico), com base numa das principais actividades que contribuem para a economia daquele país, que é o mergulho com tubarões”, conclui.